segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Venenos de Deus, remédios do Diabo - Mia Couto

...- Agora, conforme assisto na TV, há umas pretas loiras, de olhos azuis. Traga-me uma dessas, Doutor. Traga-me uma qualquer catorzinha, quinzinha, mas que não fume.
...- Uma que não fume?
...- Mulher que fuma, para mim, é homem...
...- Gosto que você continue sonhando, mesmo que seja com impossíveis miúdas.
...- Estou sonhando em justa causa, Doutor. Porque eu, se não fosse o amor, ou melhor, se não fosse a espera do amor... Sonhar me deixa muito cansado, Doutor. Dá um trabalhão danado, sonhar.
...- Se o senhor não sonhasse, já teria arrumado as ferramentas na caixa.
...- Fazem-me companhia... Cure-me de sonhar, Doutor.
...- Sonhar é uma cura.
...- Um sonhadeiro anda por aí, por lonjuras e aventuras, sei lá fazendo o quê com quem... Não haverá um remédio que anule o sonho? Todos elogiam o sonho, que é o compensar da vida. Mas é o contrário, Doutor. A gente precisa do viver para descansar dos sonhos.
...- Sonhar só faz ficar mais vivo.
...- Pra quê? Estou consado de ficar vivo. Ficar vivo não é viver, Doutor.

(Trecho adaptado)

"É o esquecimento, e não a morte, que nos faz ficar fora da vida"

(Mesmo autor, mesmo livro)

Nenhum comentário: